quinta-feira, junho 27, 2002

Seja breve

Claudia Acuña. Cantora chilena de jazz. Gravando agora pela Verve. Ouvi o primeiro disco em uma loja. Quase comprei. Mas um rastro de dúvida me perseguia. Agora, ouvindo faixas do segundo disco no site da Verve, entendo melhor meu desconforto. Você pode vê-la aqui em uma pose infeliz de cigana de churrascaria. E ouvi-la.

Porque essa produção infeliz? Porque uma artista latina de jazz não pode se vestir decentemente, cantar sem essa insidiosa percussão com “sons da selva”, algum clone de Naná vasconcelo sacudindo pedrinhas no fundo? E mais aflitamente, porque essa vagueza nos vocais? Ecos de Flora Purim me vieram imediatamente. (Acho ela uma chata, devo dizer.) Badi Assad, uma violonista brasileira interessante, foi para os estados unidos e também virou mãe-natureza, com batas coloridas e vocais infelizes.


A indefinição em arte é um pecado mortal. Quando um grande artista é prolixo, é porque ele tem muito a dizer, mas quando é um artista menor, geralmente é porque ele está tateando pelas palavras. E derrubando copos no caminho.
Confesso alguma parcialidade aqui. Sempre fui fã da concisão. Poemas curtos e nunca odes. Borges chamava o romance de “ o monstro impuro” e cultivava uma anedota de que afinal, o ápice do romance, Ulisses, era ilegível. Não chego a tanto. Mas repetiria o sábio conselho do samba (Noel, acho): seja breve.

quarta-feira, junho 26, 2002



Coltrane, zen e a existência da alma

Romeu, o guerreiro zen, começou seu próprio blog, com propriedade, intenção e conteúdo. E um nome lamentável, haha, mas enfim. Um belo post sobre Coltrane já me animou bastante. Eu, vergonhosamente, não tenho o disco, Romeu. Estou sempre com um olho sobre ele nas lojas, mas é sempre uma pequena fortuna. E eu entendo seu comentário sobre precisar ser grande para ouvi-lo. Na terceira faixa desse ao vivo que comentei ali embaixo, ele vai tão longe que inevitavelmente você começa a se preocupar com os vizinhos, começa a se mexer na cadeira, fica inquieto. Um senso de aventura é necessário. Definitivamente not easy listening. Ainda que aquele Ballads dele você pode ouvir todo com um sorriso no rosto e mesmo minha vó poderia gostar. Enfim. Coltrane lives.

Eu também acho que há uma emoção particular do som dele. A maneira como ele começa as frases me toca quase sempre. Comprei Joshua Redman, que parece emular o mestre, mas há um vazio no som. Pode-se dizer que é uma coisa muscular. Ou talvez a tal da alma.

E para terminar o momento Coltrane, Jorge e eu comentávamos o outro dia, que cara maravilhosa ele tinha. Nenhuma conotação gay aqui, please. Não é nem exatamente beleza. Mas é uma cara que se olha com prazer, um rosto sólido, real.

segunda-feira, junho 24, 2002

Buffy vive

Um ataque súbito mas não inesperado à minha série-fetiche Buffy (você pode conferir na seção de comentários do post abaixo) me deixou elucubrando. Não faz sentido nenhum defender aqui um gosto pessoal, mas lembrei de um texto que escrevi outro dia sobre realismo mágico. Poderia se aplicar. Não a Buffy per se, mas a um conceito de porque alguns temas são razoáveis e outros não. Ou alguns são nobres e outros são escória pop. Seguem uns trechos, para não entediar ninguém:

Mágicos e escritores

Lendo esse maravilhoso conto de Ray Vukcevich, Whisper, um monte de links mentais me ocorreram.
O conto está hospedado em um gênero que se chamou de realismo mágico.
Só que instaurar o realismo mágico na literatura é um pouco como reclamar que tal coisa não podia ter acontecido em tal filme. Que não é realista que o personagem não tivesse morrido naquela queda ou que ele pudesse apanhar tanto. Não faz nenhum sentido pra mim. O cumprimento ou não das leis da física não torna um filme mais realista. É celulóide. Imagens, que não estão nem mesmo se movendo. Até o movimento é uma ilusão. Então, um carro na tela é tão real quanto uma nave espacial ou um trenó puxado por gansos. É tudo ilusão.
(...)

O que quero dizer com isso tudo? Que Emma Bovary é tão real ou irreal quanto Lestat, o vampiro ou Harry Potter. Se um personagem está desempregado e bebe muito ou se ele tem asas e voa, não se trata respectivamente de literatura e realismo mágico. É tudo literatura. E é tão real quanto você permita que seja.
(...)

Nomes são citados, teoria nenhuma parece se formar, o leitor desanima

Longa introdução, eu sei. Tudo isso porque gostei do conto de Ray e lembrei de tantos praticantes desse realismo mágico que acabei de dizer que não existe. Lembrei de alguns brasileiros: Murilo Rubião e José J. Veiga, principalmente. Campos de Carvalho, maravilhoso, está em uma categoria mais delirante. Ele não usa o velho truque desses mágicos de salão citados acima: criar um cenário convincente para de repente sacar um coelho. No mundo de Campos de Carvalho são coelhos dentro de coelhos dentro de coelhos dentro de uma ameixa, talvez. O que me soa mais honesto. Porque é um velho truque, realmente. Você vê isso em escritores bem mais antigos, como Poe. Eles ainda apelavam para o Isso é um Relato Verídico, que Recebi de um Amigo, etc. Supondo que quando mais sólida a mesa e a cartola, mais surpreendente o coelho seria.
Cortázar começou assim, como um golpista clássico, com esses truques estritos até alcançar um outro patamar, onde tudo estava no mesmo plano. 62, Modelo para Armar, pelo menos, funciona assim. Não há cortina, varinha, roupa de mágico. A mágica está em todo lugar ou em nenhum.


sexta-feira, junho 21, 2002

Uma ressaca tão sutil que é quase prazerosa. Como que uma instrução corporal para ficar em casa e não fazer muito. Meu computador, ecoando o comando, decide que não devo trabalhar. Não adiantou ter comprado um novo, reluzente, maravilhoso monitor plano de 17 polegadas. Meu computador, (que devia ter nome, de tão velho que é) resolve que hoje não é dia de trabalhar e fica preso em um loop de restarts. Ok. Nos conhecemos como em um casamento antigo. Então fico fumando e termino meu Nick Hornby. Not a bad way to spend the day. (Claro, essas teclas pressionadas gerando conteúdo aconteceram em um cybercafé. Precisava checar meus e-mails. Oferecimentos de Viagra herbal, Lose-10pounds-diet, HaveaBiggerPenis... esse tipo de coisa. Pop life.

quinta-feira, junho 20, 2002

E agora você pode, por fim, criticar a qualidade do café servido aqui.


Porto Alegre abre um sol esquecido pelos dias e eu, cavaleiro da arca perdida, vou caçar imagens em sebos. Sempre uma operação que convida ao fracasso, mas é mais um pretexto para respirar pó do que qualquer outra coisa. As imagens procuradas não estão em lugar nenhum, mas um Machado de Assis muito rico sim, assim como um belo dicionário antigo ilustrado e um livro completamente incompreensível, visto em detalhe acima, cujo conteúdo em alemão me escapa de todo, mas não suas imagens - fotos e pinturas reunidas sem nenhum critério que eu possa conceber, mas enfim, não se pode ter tudo.

terça-feira, junho 18, 2002

An english gentleman

Finalmente Gaiman responde a pergunta que eu vinha postando na sua página de FAQ´s . Não, ele não se importa com o fato de Harry Potter ser o mesmo garoto que ele criou anos atrás no Books of Magic. Muito elegante da parte dele, convenhamos.

segunda-feira, junho 17, 2002



O mundo se pôe pequeno de formas que percebemos (mal) aos poucos. Chegam bilhetes de Cadiz. Com a internet onisciente sob minha mão, em frente dos meus olhos, procuro o que se come em cadiz; quem odeiam, onde bebem e vejo fotos de azeitonas, aceitunas rellenas de anchoas, que se parecem tanto, tanto com as que estão na lata em minha mão.

Só que aqui estão em latas, dentro de um apartamento. Lá estão brilhando sobre um prato e sob um céu perto do mar.

quarta-feira, junho 12, 2002

Ouvindo Coltrane

this man could blow

É uma experiência maravilhosa se tornar íntimo de um disco de jazz. É um trabalho de aproximação: você não consegue apreender tudo na primeira visita. Você tem aqui três ou quatro ou muitos artistas trabalhando juntos para pintar algo. Cada um tem algo a dizer. Ocasionalmente em uma visita você fica tentado a ouvir mais um deles do que os outros. E o sentido está por todo parte. O artista com o nome na capa não detém a primazia nas declarações. Em um momento o baixista pode abrir uma clareira no meio do som que lhe conforta muito mais do que tudo. Uma batida mais vigorosa nos pratos, uma hesitação no solo, algum silêncio. Há um mundo de decisões aqui.

segunda-feira, junho 10, 2002

Meu computador tem idéias próprias a respeito de cores. Bem, meu monitor, na verdade. Possivelmente cansado de anos de abuso, ele acorda agora cada dia de uma cor, sendo a mais frequente um amarelo esverdeado que, eu confesso me deixa levemente nauseado. Como se espera que eu faça direção de arte nessas condições? Well, digamos que com muita imaginação e espiando ocasionalmente em minha tabela de cores. Ah, a vida glamourosa do diretor de arte.

sexta-feira, junho 07, 2002

Humor inglês para dias de chuva

E que tal esse comentário de Neil Gaiman em seu sempre interessante diário?

"Was bitten on the cheek by a spider. Do not appear to be able to climb walls or have any kind of extrasensory abilities yet. So far I've just got a spider bite on my cheek. Seems deeply unfair, really. "
Smoking in the rain

David Gray é minha sugestão de trilha para esse inverno, definitivamente. Ele me acompanhou hoje durante todo o dia e uma miríade de táxis e pular sobre poças e fumar sob marquises olhando para o céu desabando. Com uma voz que soa a uísque, ele gravou o disco quase sozinho em casa. São violões, um piano ocasional e alguns eletrônicos esparsos criando uma textura cinzenta sobre a qual ele desfia seus contos. / crazy skies all wild above me now winter howling at my face and everything I hold so dear disappeared without a trace/ I' ve been talking drunken gibberish falling in and our of bars trying to find some explanation here/ sail away with me honey/ sail away/...

terça-feira, junho 04, 2002

Full Circle



Robert Crumb, quem diria, me diz que preciso ser grato. Justo ele, com aquela persona eu-me-odeio, com a qual tanto me identifico. Pois em uma estória que li hoje, ele dizia Sou Grato, Sou Grato! Eram três ou quatro pagininhas, onde ele mostrava que, no final das contas, no fim do dia, ele era grato por não ter que levantar cedo no outro dia, poder trabalhar em casa, com algo que ele gostava e tal...

A mensagem não podia ser mais oportuna pra mim. Depois de uma breve aventura em um emprego como ilustrador comercial, estou voltando a trabalhar em casa e, acredite, sou grato por não ter que levantar e ir para o mundo lá fora. Só fazer um café e sentar no computador. Ou na mesa e desenhar, melhor ainda.




Gosto de marcar essas mudanças. Demarcar uma zona, dizer esse momento acabou, vamos para o próximo. Então juntei uns CDs’novos e livros velhos e fui andar um pouco por minha cidade natal, a velha Pelotas.
Foi bom, andei muito; comi, bebi e fumei demais com minha família, tirei muitas fotos de casas velhas, (como essa) e na volta, gastei as últimas fotos do filme com meus amigos Fê e Jorge, com quem almocei hoje. Você pode ver as caras sorridentes deles aqui, aqui e ainda um detalhe que saquei da cena, um desses fragmentos que estão ali piscando pra nós. Ou até mesmo, considerando meu momento condescendente, minha cara feia com árvores ao fundo.



Para encerrar os movimentos ritualísticos, minha faxineira passou o dia transformando de novo em uma casa a ruína absurda que meu apartamento tinha se tornado. E chegando lá, encontro além de uma casa limpa, um envelope de Londres, da lovely Melissa, contendo o novíssimo Nick Hornby e um impresso de um conto de Bukowski com ilustrações de quem, senão Crumb.


Então, o dia e o ciclo se encerram e sim, sou grato a meus amigos. E vou começar amanhã minha vida nova, cheio de projetos na prancheta e no monitor, sorrindo. Gracias por todo, chicos y chicas. You are great.