segunda-feira, junho 24, 2002

Buffy vive

Um ataque súbito mas não inesperado à minha série-fetiche Buffy (você pode conferir na seção de comentários do post abaixo) me deixou elucubrando. Não faz sentido nenhum defender aqui um gosto pessoal, mas lembrei de um texto que escrevi outro dia sobre realismo mágico. Poderia se aplicar. Não a Buffy per se, mas a um conceito de porque alguns temas são razoáveis e outros não. Ou alguns são nobres e outros são escória pop. Seguem uns trechos, para não entediar ninguém:

Mágicos e escritores

Lendo esse maravilhoso conto de Ray Vukcevich, Whisper, um monte de links mentais me ocorreram.
O conto está hospedado em um gênero que se chamou de realismo mágico.
Só que instaurar o realismo mágico na literatura é um pouco como reclamar que tal coisa não podia ter acontecido em tal filme. Que não é realista que o personagem não tivesse morrido naquela queda ou que ele pudesse apanhar tanto. Não faz nenhum sentido pra mim. O cumprimento ou não das leis da física não torna um filme mais realista. É celulóide. Imagens, que não estão nem mesmo se movendo. Até o movimento é uma ilusão. Então, um carro na tela é tão real quanto uma nave espacial ou um trenó puxado por gansos. É tudo ilusão.
(...)

O que quero dizer com isso tudo? Que Emma Bovary é tão real ou irreal quanto Lestat, o vampiro ou Harry Potter. Se um personagem está desempregado e bebe muito ou se ele tem asas e voa, não se trata respectivamente de literatura e realismo mágico. É tudo literatura. E é tão real quanto você permita que seja.
(...)

Nomes são citados, teoria nenhuma parece se formar, o leitor desanima

Longa introdução, eu sei. Tudo isso porque gostei do conto de Ray e lembrei de tantos praticantes desse realismo mágico que acabei de dizer que não existe. Lembrei de alguns brasileiros: Murilo Rubião e José J. Veiga, principalmente. Campos de Carvalho, maravilhoso, está em uma categoria mais delirante. Ele não usa o velho truque desses mágicos de salão citados acima: criar um cenário convincente para de repente sacar um coelho. No mundo de Campos de Carvalho são coelhos dentro de coelhos dentro de coelhos dentro de uma ameixa, talvez. O que me soa mais honesto. Porque é um velho truque, realmente. Você vê isso em escritores bem mais antigos, como Poe. Eles ainda apelavam para o Isso é um Relato Verídico, que Recebi de um Amigo, etc. Supondo que quando mais sólida a mesa e a cartola, mais surpreendente o coelho seria.
Cortázar começou assim, como um golpista clássico, com esses truques estritos até alcançar um outro patamar, onde tudo estava no mesmo plano. 62, Modelo para Armar, pelo menos, funciona assim. Não há cortina, varinha, roupa de mágico. A mágica está em todo lugar ou em nenhum.


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